segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

GENERAL AUGUSTO HELENO RIBEIRO PEREIRA: NOSSO NOVO PRESIDENTE ELEITO!


06/03/2014 - 15h20 - Atualizado em 06/03/2014 - 15h40 - POR Marcus Lopes

Um general na presidência?

Este é o plano da Arena, a nova versão do partido que deu apoio à ditadura militar. O candidato pode ser o oficial Augusto Heleno Ribeiro Pereira. Delírio? É bom não duvidar

Montagem feita sobre a foto do general Augusto Heleno Ribeiro Pereira simulando um retrato presidencial. (Foto:  Folhapress ; Estadão conteúdo; Agência O Globo / Ilustração: Alexandre Jurban)

A notícia em uma revista semanal de que o general da reserva Augusto Heleno Ribeiro Pereira teoricamente possuiria o apoio de 5,7 milhões de eleitores numa suposta disputa presidencial pode ter pego muita gente de surpresa - menos a GQ. Em abril de 2013, dedicamos amplo espaço ao perfil de um personagem até então desconhecido, mas que já prometia causar barulho na condição de símbolo de um movimento que busca restaurar a direita política no Brasil. 


Estranho país, o Brasil. Oito militares de alta patente já vestiram a faixa de presidente da República. Apenas dois deles – Hermes da Fonseca e Eurico Gaspar Dutra – chegaram ao cargo por eleição direta. Cinco generais governaram durante a ditadura militar, entre 1964 e 1985. A lista oficial de mortos e desaparecidos políticos desse período conta com 457 nomes – o governo atual estuda a inclusão de outras 370 pessoas. A partir de todo esse histórico, lançar um general a candidato ao Palácio do Planalto não parece a ideia mais popular do mundo. Seria missão árdua para qualquer gênio do marketing político, um desafio daqueles para um super Duda Mendonça.

E não é que essa ideia começa a tomar forma? Um grupo político planeja, sim, lançar um general a candidato a presidente nas eleições de 2014 – e GQ antecipa aqui o nome dele. O militar em questão é Augusto Heleno Ribeiro Pereira. Aos 65 anos, Pereira é um general de exército de quatro estrelas, a mais alta patente militar em tempos de paz.  No Brasil, existem apenas 14 cargos de general de exército. Augusto Heleno Ribeiro Pereira, portanto, não é um general qualquer. É um senhor general.

O militar estrelado gosta de ação. Ele foi o primeiro comandante da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH), entre 2004 e 2005. Chefiava 6.250 capacetes azuis de 13 países. Em 2008, foi comandante militar da Amazônia. É bem quisto entre os oficiais e tem lá seus fãs entre os civis. É midiático, comentarista do Grupo Bandeirantes. Uma página no Facebook criada por admiradores contava, até o mês passado, com 842 membros. Muitas mensagens são de incentivo a uma candidatura a presidência da República. Serão esses seus primeiros votos?

Na reserva desde 2011, o general é hoje superintendente do Instituto Olímpico Brasileiro, braço do COB que dá suporte aos atletas para que eles possam ter uma formação acadêmica e partir para outra carreira quando pendurarem os tênis de corrida. “Presidente da República? É mesmo?”, disse, aparentemente surpreso, ao atender pelo telefone o repórter da GQ. Todo bom postulante a um cargo político nega a candidatura, e é dessa forma que age o general. “Não quero me meter com política e não há possibilidade de ser candidato. De qualquer maneira, me sinto honrado pela lembrança.”
Arena 1 (Foto: Folhapress ; Estadão conteúdo; Agência O Globo)

De volta ao passado

Complicado jogo, o da política. Quem quer lançar o general a presidente é a Arena. Se a frase parece perdida no tempo, não se espante. O partido político que deu sustentação à ditadura militar começou a renascer há menos de um ano pelas mãos de um grupo de jovens conservadores de Caxias do Sul, na Serra Gaúcha. A presidente da nova Arena é a estudante de direito Cibele Bumbel Baginski, 23 anos. Cibele sabe o peso que o nome do partido provoca. “Ainda vai levar um tempo até convencermos de que nossa proposta é democrática”, diz. Mas admite: o nome funciona como uma tremenda peça de marketing.

Os jovens gaúchos se identificam e defendem a época em que os generais comandaram o País. Aliás, não gostam do termo ditadura. “O Brasil nunca teve um ditador, com exceção de Getúlio Vargas”, diz Cibele. E justifica uma das propostas para a educação, caso um dia eles cheguem ao poder: reformular o ensino de história, “sem ênfases tendenciosas doutrinariamente”, conforme reza o estatuto do partido. Eles também propõem o retorno do ensino de educação moral e cívica e latim nas escolas. “É errado falar em ditadura. Foi um período de governo mais próximo do militar, mas não foi uma ditadura militar, pois havia eleições”, diz Cibele. É uma meia-verdade. Todos os presidentes generais no pós-golpe de 1964 foram eleitos pelo Colégio Eleitoral, sempre com vitória da Arena. De 1966 a 1979 o sistema eleitoral foi bipartidário. Nesse período, governadores, prefeitos e senadores também eram eleitos de forma indireta.

Cibele está longe daquele estereótipo sisudo dos simpatizantes da direita. Sempre sorridente, tem um piercing nos lábios e gosta de balançar os cabelos pintados de vermelho ouvindo heavy metal, ao som de Illuminandi e Monstrum, bandas da Polônia, e Megadeth. Entre um gole e outro de chimarrão, ela conta como nasceu a ideia de ressuscitar a velha legenda.  O processo, diz, está relacionado à desilusão da população com a política e a pasteurização das legendas, cuja maioria se acomodou em uma posição de centro-direita ou esquerda. “Hoje não há mais partidos genuinamente de direita e a oposição é fictícia”, diz Cibele, ex-filiada do Democratas (DEM) – “light demais”, segundo ela.

As sementes da nova Arena foram plantadas em uma eleição para o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Cibele e o amigo João Manganeli Neto, 26 anos, que também era do DEM e graduando em engenharia química, juntaram alguns amigos alinhados à direita e lançaram uma chapa para concorrer às eleições. Conseguiram cerca de 700 votos – oito deles nos cursos de história e ciências sociais, historicamente ligados à esquerda. Ficaram em terceiro lugar, mas o gosto pela política venceu. Após muitas reuniões no Nostro Café, um botequinho no Centro de Caxias mais conhecido como o Bar do Tio, em junho do ano passado resolveram fundar o partido, cuja linha é definida como “conservadora e desenvolvimentista”.

Atualmente, são 144 membros fundadores e diretórios organizados em 61 municípios, espalhados por 15 estados. Até o final de maio, esperam reunir as 492 mil assinaturas exigidas pela lei para a fundação de um novo partido. No começo de março eles já tinham 110 mil confirmadas e outras 80 mil aguardando a autenticação dos cartórios eleitorais regionais.  Se cumprirem os requisitos legais até o final de setembro, terão o registro definitivo no Tribunal Superior Eleitoral e estarão aptos para disputar as eleições em 2014. Eles pretendem lançar candidatos para todos os cargos.

A questão do nome foi facilmente decidida. Havia cerca de outras nove ou dez opções, até que uma correligionária de Pernambuco sugeriu Aliança Renovadora Nacional. Foi amor à primeira vista. “Quando bateu, eu gostei”, diz Cibele. Um assessor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao ser consultado sobre a utilização da sigla, foi direto: “Poder pode, mas o funeral é de vocês”. Como o antigo partido foi extinto, o nome não estava sob o domínio de ninguém.

O impacto inicial já passou. “As pessoas, mesmo aquelas que não se interessam por política, não conseguem ficar neutras. Elas são a favor ou contra”, diz Cibele, que apesar da afinidade com os militares afirma não se tratar do mesmo partido dos anos de chumbo. “O Brasil hoje é pelo fortalecimento da democracia e da cidadania”, diz.

Se as ideias são de direita, no dia a dia a prática lembra os primeiros anos dos partidos de esquerda. Praticamente todos os dirigentes são apenas estudantes universitários e, enquanto não têm direito a fundo partidário, arcam com as despesas, cerca de R$ 800 por mês. Esse valor é dividido entre eles para cobrir pequenas despesas como xerox, registros em cartório e correios. As viagens são viabilizadas pelos diretórios regionais, também em regime de rateio entre os dirigentes locais. Até o mês passado não possuíam sede definitiva. Quando o dinheiro permitir, a ideia é alugar uma pequena sala comercial em Caxias do Sul.
Diretores da nova Arena (Cibele à frente) (Foto: Enio Cesar)

Tortura nunca mais

A nova Arena já possui registro civil e, em novembro de 2012, o estatuto e o programa do partido foram publicados no Diário Oficial da União, como prevê a lei de formação dos partidos. O estatuto prevê, entre outros tópicos, garantia da propriedade privada, reaparelhamento das Forças Armadas, maioridade penal aos 16 anos e remodelação de programas como o Bolsa Família, que consideram oportunista. Também são contrários ao sistema de cotas raciais, apesar de Cibele ser bolsista do Programa Universidade para Todos (Prouni). “O Prouni é uma bolsa de estudo, e não uma cota. Tirei uma nota muito boa no Enem para conquistá-la”, diz.

O assunto mais delicado em torno do velho nome da Arena são as denúncias de tortura no regime militar. “A Arena daquela época não pode ser responsabilizada por atos cometidos por alguns membros do governo”, diz Cibele. “Seria como culpar o PTB pelas torturas cometidas na ditadura Vargas.” Diz o estudante Tullio Damin da Sois, 19 anos, sobre a Comissão Nacional da Verdade (CNV), criada pelo governo federal para apurar os crimes de violação dos direitos humanos entre 1964 e 1988: “É uma comissão unilateral da verdade. O Exército também deveria apresentar sua versão nos trabalhos”. Procurada, a CNV não quis se pronunciar.

A criação da nova legenda levanta discussões sobre a sua viabilidade política no Brasil atual. “Respeitando o que está na Constituição, eles têm o direito de expressar sua ideologia”, diz o cientista político Aldo Fornazieri, diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.  “Como no Brasil todos os partidos foram para o centro, com os de esquerda aliados à centro-direita, existe espaço para a representação de um ideário mais conservador.” Fornazieri não considera a volta da Arena um retrocesso. “Faz parte da pluralidade política e ideológica”, afirma.

“Acho que estes jovens propõem mais uma intenção romântica do que uma ideologia”, diz o sociólogo Rudá Ricci, doutor em Ciências Sociais e professor da Escola Superior Dom Helder Câmara. “Eles não me parecem conscientes do que significou a Arena no regime autoritário.” Diz o jornalista Ivan Seixas, coordenador da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo: “É um direito você ter saudades da ditadura. O que não pode é tentar justificar a tortura e o fascismo. Esses jovens estão mal-informados ou com a visão deformada do regime militar”. Ex-militante do Movimento Revolucionário Tiradentes, Seixas foi preso e torturado pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), na década de 70. Seu pai, o mecânico Joaquim Seixas, também militante do mesmo movimento, apanhou junto com ele nos porões do Dops. Morreu após dois dias de tortura.

Se os planos da Arena se confirmarem, discussões como essas devem se acirrar no ano que vem. É delírio imaginar um general quase desconhecido subindo a rampa do Palácio do Planalto? Talvez não. A 18 meses da eleição de 1989, Fernando Collor era governador de Alagoas, um dos estados mais pobres do Brasil, e sonhava no máximo em se reeleger. Se fosse hoje, provavelmente o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira concorreria com Dilma, Aécio Neves, Marina Silva e talvez Eduardo Campos. Além, é claro, dos azarões. Existem hoje 30 partidos políticos no Brasil e pelo menos dez, como a Arena, em vias de conseguir o registro. “Acho que os militares não devem se envolver com política, embora respeite os colegas que fazem isso”, afirma o general. Quando estava no comando da Amazônia, porém, era crítico contumaz do então presidente Lula, principalmente no tema da demarcação de terras indígenas. Aliás, na página do Facebook para o general sobram ataques ao PT e elogios aos projetos faraônicos da ditadura militar.

“Militares não são políticos natos, são administradores, executores de planos, e o Brasil certamente teria mais sucesso com menos maracutaia e mais serviço”, diz Cibele, em defesa de um candidato fardado. E se o general Augusto Heleno realmente não quiser ser candidato? Cibele então sairá atrás de outro nome. Um requisito de peso, porém, é esse: ter formação militar.

Juventude decidida, essa de Caxias.

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