domingo, 7 de maio de 2017

O desmonte da FUNAI e a demarcação de terras indígenas por Eliane Brum


A Funai é desmontada para acelerar o processo de desproteger as terras indígenas já protegidas e jamais proteger as que ainda precisam ser protegidas

Seu chefe, o ruralista e ministro da Justiça Osmar Serraglio (PMDB), nomeado pelo governo-9%-de-aprovação-Temer, havia dito dias antes que era preciso parar com essa discussão sobre demarcação de terras indígenas porque “terra não enche barriga de ninguém”. Para acelerar o processo de desproteger as terras indígenas já protegidas e jamais proteger as que ainda precisam ser protegidas, o ministro-da-justiça-para-mim-e-meus-amigos-ruralistas extinguiu 347 cargos comissionados da Funai, que naquele momento mal conseguia trabalhar por falta de pessoal. E, por mais críticas que se possa fazer à atuação da Funai em diferentes fases, a violência contra os indígenas se multiplica onde ela não está. Sem a Funai, é ainda mais fácil avançar sobre as ricas terras indígenas e arrebentar com a cultura dos mais de 250 povos originários, assim como com a floresta e outros ecossistemas, já que são os indígenas os principais protetores do meio ambiente.

Com Antônio Costa ou sem ele, o desmonte da Funai segue em velocidade acelerada

Com Antônio Costa ou sem ele, o progresso segue velocíssimo na Funai. Segundo o repórter André Borges, doEstadão, o ministro-da-justiça-para-mim-e-meus-amigos-ruralistas enviou para a Casa Civil a indicação da servidora Azelene Inácio para o cargo de diretora de proteção territorial da Funai, área responsável pela demarcação de terras indígenas. Azelene foi apontada pelo Ministério Público Federal em Santos, no estado de São Paulo, em 2008, por atuação em favor do empresário Eike Batista para liberar a construção do complexo portuário que afetava diretamente uma terra indígena.
Segundo a reportagem, naquele momento ela era coordenadora-geral de direitos indígenas na Funai, mas teria dito aos indígenas que não deveriam confiar na Funai porque a demarcação das terras não aconteceria. E, portanto, deveriam aceitar a proposta da empresa para não serem simplesmente despejados sem direito algum. Por coincidência poética, na sexta-feira da Greve Geral (28/4), Eike Batista foi liberado da prisão pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.

Os índios complicam o pensamento binário porque colocam o cocar onde não deviam

Os índios sempre complicam tudo, é preciso dizer. São incômodos porque metem seu cocar onde não deveriam. Interditam não só estradas e canteiros de obras de hidrelétricas, mas também qualquer binarismo. E impedem muitos brancos de apagar o passado recente. Foi o que aconteceu na semana passada com a senadora acusada pela Lava Jato Gleisi Hoffmann (PT). Ela entrou no plenário do Senado de cocar na cabeça. A causa era legítima: os indígenas tentaram colocar 200 caixões de papel preto no espelho d’água do Congresso, representando os mortos em conflitos de terra, mas foram reprimidos com balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e spray pimenta pela Polícia Militar. Eram cenas do tempo da ditadura reeditando-se hoje, mas certa imprensa que tem problemas com o conceito não de pós-verdade, mas de verdade mesmo, chamou de “confronto”. É um exercício interessante imaginar como cobririam o “confronto” ocorrido em 1500.
O problema do cocar de Gleisi, usado por ela para denunciar os abusos cometidos contra os indígenas e o desmantelamento da Funai, é que ela foi justamente uma das mais ativas protagonistas do desmonte que agora denuncia quando era chefe da Casa Civil no governo de Dilma Rousseff. É dela, então sem cocar, a seguinte pérola do cinismo nacional, referindo-se à demarcação das terras indígenas: “O governo não pode e não vai concordar com minorias com projetos ideológicos irreais”.

O que apontam as flechas dos indígenas?
As flechas dos indígenas apontam que no Brasil o passado não passa e o futuro já passou.
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum/ Facebook: @brumelianebrum

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